Nos últimos anos, a piscicultura tem ganhado notoriedade e crescido exponencialmente no país. Antes vista como uma cultura secundária, atualmente ela tem recebido investimentos pesados para se tornar mais moderna e competitiva, tanto no mercado nacional quanto no internacional. E uma das áreas que têm tido maior atenção é a do melhoramento genético.
A partir de estudos relevantes sobre o assunto e investimentos de empresas nacionais, a genética chega para colocar a atividade em outro patamar, assim como fez com outras, como a suinocultura e a avicultura. Mesmo assim, a tecnologia ainda está distante dos açudes das propriedades rurais.
Por esse motivo, preparamos este artigo, baseado na opinião de especialistas da área, para mostrar como funciona o melhoramento genético na piscicultura e a importância dessa atividade no Brasil. Boa leitura!
O que é o melhoramento genético na piscicultura?
O melhoramento genético na piscicultura refere-se ao processo de formação de peixes com maior capacidade de produção. Ele ocorre por meio da seleção de características genéticas que melhoram o desempenho dos animais aquáticos.
Esse processo ainda é recente e pouco encorajador, mas muito importante para a evolução da produtividade e dos lucros do produtor – explica o engenheiro-agrônomo e empresário do ramo de melhoramento genético em peixes no Brasil, Ricardo Neukirchner.
“Podemos comparar o que está acontecendo hoje na piscicultura com o que aconteceu com o frango há anos. Apenas com uma grande diferença: os ganhos genéticos vão ser obtidos muito mais rapidamente, uma vez que as tecnologias estão dominadas e o grau de informação é muito maior” — conta o profissional, que trabalha com piscicultura na área de produção de alevinos há mais de 20 anos.
Quais são os benefícios do melhoramento genético na piscicultura?
Neukirchner comenta que são diversos os benefícios que o melhoramento genético traz para a cultura. Ele informa que, com esse poderoso aliado, é possível:
- produzir peixes com melhor desempenho zootécnico;
- reduzir o consumo de ração;
- ampliar o rendimento de filé;
- aumentar a resistência a doenças.
Conforme o profissional, a genética pode contribuir, até mesmo, para o aumento do consumo de peixes no país, já que a tendência é a de que, com a evolução genética nos açudes, o preço se torne mais atrativo para o consumidor.
“Com genética, o produtor vai ter melhor ganho, e o consumidor vai ter um preço mais baixo. Reduzindo custos de produção, conseguimos reduzir o valor do pescado para o consumidor final” — frisa.
De acordo com o doutor em Ciências Ambientais e pesquisador de piscicultura, Aldi Feidenutras, outras vantagens que o melhoramento genético traz para a piscicultura são:
- ganho de peso por tempo de cultivo;
- melhoria na conversão alimentar;
- homogeneidade dos lotes;
- maior rendimento da carcaça;
- melhoramento no acúmulo de gordura.
“A maior vantagem é que, com os cruzamentos das diversas linhagens do programa de melhoramento, obtém-se o maior vigor da heterose, ou seja, busca-se selecionar os indivíduos que expressem o melhor desempenho das características que se busca para ter os peixes mais produtivos” — explica.
Neukirchner comenta que, como em outras atividades de produção — como gado, suínos, frango ou grãos — o alevino, nesse caso, é o início de todo o processo.
“Se o produtor comprar uma semente de má qualidade, ele pode ter o melhor manejo, melhor alimento e uma somatória de fatores ambientais favoráveis, mas, mesmo assim, ele não vai ter sucesso, pois a semente é de má qualidade. Por isso, é fundamental que o produtor busque genética de qualidade para a sua produção (de peixes)” — alega.
Ele diz que, sem a genética, não se pode buscar o potencial máximo de produção, resultando em prejuízos enormes e, em muitos casos, inviabilizando a atividade.
“Genética é o início de todo o processo” — reforça.
Qual é o histórico do melhoramento genético no Brasil?
Feiden conta que, desde a década de 1970, ocorreram importações de linhagens de peixes melhoradas no Brasil, financiadas por órgãos governamentais, como a importação de várias linhagens de tilápia e carpas no Nordeste do país, para aumentar a pesca nos açudes daquela região.
O doutor acrescenta que, no Paraná, nos anos 1980, foram introduzidas várias linhagens de tilápias e de carpas pelo Centro de Piscicultura de Toledo, no Oeste do Estado, vinculado na época à Secretaria de Estado do Meio Ambiente.
Hoje, é vinculado ao Instituto de Pesquisa em Aquicultura Ambiental (InPAA), da Universidade Estadual Oeste do Paraná (Unioeste).
“Isso fomentou a criação de peixes em viveiros escavados e a implantação de várias estações de produção de alevinos na região” — conta.
Já em 1996, foi realizada a importação de uma nova linhagem melhorada da tilápia nilótica da Tailândia, feita pela Secretaria de Estado da Agricultura e Abastecimento do Paraná, e a extinta Alevinopar, associação que reunia os produtores de alevinos do Oeste do Estado — lembra Feiden.
Em 2005, a Universidade Estadual de Maringá (UEM) iniciou e conduziu o programa de melhoramento da tilápia nilótica, em parceria com a Embrapa, com a linhagem Gift importada da Malásia.
“Esta teve resultados muito interessantes, já que realizou o melhoramento por mais de 15 gerações de um grupo com 60 famílias, focando o ganho de peso dos animais” — conta o doutor.
Feiden acrescenta que, paralelamente, houve a importação de uma linhagem, também da Malásia, por uma empresa privada, que recebeu o nome de Genomar Supreme Tilápia.
“As atividades da UEM incluíram a participação de diversos piscicultores e universidades para testar a campo o desempenho dos animais em diversas regiões do Brasil” — informa.
Qual é o cenário do melhoramento genético no Brasil atualmente?
A tilapicultura corresponde a 63,5% da produção brasileira de peixes de cultivo e, atualmente, é uma das atividades que mais crescem no país. Antes, os programas de melhoramento genético existentes no país eram focados apenas no crescimento. Com o passar dos anos, o escopo foi sendo alterado com o objetivo de atender às mudanças observadas na indústria e nas necessidades dos aquicultores, além de buscar promover o maior bem-estar das espécies.
Recentemente, foi inaugurado um Centro de Reprodução e Melhoramento Genético de Tilápia, no município de Monte Carmo, no Tocantins. A escolha desse local foi decorrente das condições climáticas, da existência de fontes de água de qualidade e do apoio de diversas instituições estaduais e municipais.
Esse investimento, na ordem de R$ 28 milhões, realizado pela Genomar Genetics, deve atender toda a demanda brasileira e da América Latina. De acordo com Francisco Medeiros, presidente da Associação Brasileira da Piscicultura (Peixe BR), a expectativa é a de que, nos próximos anos, o Tocantins ocupe o posto de capital mundial da tilápia.
Quais são os resultados do melhoramento genético da tilápia no Brasil?
É possível observar muito claramente os resultados do melhoramento genético da tilápia no Brasil, segundo Neukirchner.
“(A tilápia) é o peixe mais cultivado e importante na piscicultura do país. Com o melhoramento genético, hoje, conseguimos produtividades muito acima das conseguidas anos atrás” – conta.
Feiden também lembra que, na década passada, a Embrapa conduziu, em parceria com várias instituições públicas e privadas, um programa de melhoramento genético para quatro espécies aquícolas de importância econômica no Brasil, sendo:
- três de peixes – a tilápia do Nilo (Oreochromis niloticus), o surubim cachara (Pseudoplatystoma reticulatum) e o tambaqui (Colossoma macropomum);
- uma de crustáceos – o camarão-branco (Litopenaeus vannamei).
“Além deste programa, há diversas ações isoladas de pesquisas em melhoramento genético em nossas universidades e centros de pesquisas do país, além da importação de linhagens melhoradas por empresas produtoras de alevinos” – conta o pesquisador.
Porém, Feiden relata que a grande dificuldade em iniciar programas de melhoramento genético para espécies de peixes das bacias hidrográficas brasileiras é o alto custo de implantação e manutenção de um programa por várias gerações.
“Pois, para várias espécies de peixes, a maturação sexual de cada geração pode chegar até a três anos, como no caso de algumas espécies de alto valor comercial, como o pintado (Pseudoplatystoma corruscans) e o pacu (Piaractus mesopotamicus), por exemplo” – explica.
Assim, um programa para essas espécies precisaria ter, pelo menos, 15 anos para haver um peixe melhorado geneticamente, complementa. Neukirchner explica que o produtor, em geral, não deve pensar em fazer o melhoramento genético, uma vez que ele não tem os recursos e as informações necessários para conseguir resultados satisfatórios.
“É impossível e financeiramente injustificável o produtor rural fazer o melhoramento na sua propriedade. Os investimentos são muito altos e pela baixa demanda o projeto não se paga” – afirma.
Como fazer o melhoramento genético de alevinos?
Neukirchner afirma que o melhoramento genético só pode ser feito por grandes grupos, já que são necessários investimentos na casa dos milhões de reais, e somente com a venda de um alto volume de alevinos melhorados geneticamente a atividade justifica o investimento.
Feiden acrescenta que, da forma como hoje está estruturada a cadeia produtiva da piscicultura, principalmente paranaense, focada na produção familiar, é muito difícil algum produtor ou grupo de produtores investir em um programa de melhoramento.
“Isso devido ao alto custo de implantação e manutenção do programa” – explica.
Ele diz que seria importante um programa de longo prazo, por meio de parcerias entre o setor privado e as universidades ou centros de pesquisa públicos, para as espécies nativas com potencial econômico.
O pesquisador ainda acrescenta que, apesar de dificilmente os programas de melhoramento serem conduzidos por produtores, eles têm um papel importante nesses programas para fazer a validação dos resultados a campo e, com isso, avaliar e mostrar os resultados das etapas de melhoramento e discutir com os melhoristas os rumos a seguir.
“Também, no caso da tilapicultura, é importante a participação do setor industrial no processo de avaliação dos resultados, pois, neste caso, o maior desempenho produtivo a campo pode não expressar o melhor rendimento industrial do pescado, e a avaliação pelas indústrias pode também auxiliar no direcionamento do programa e a financiar estes programas de melhoramento genético, a exemplo do que aconteceu com o setor de rações para peixes, no qual as indústrias de processamento de rações foram muito importantes para a melhoria da qualidade das rações disponibilizadas ao setor aquícola nos últimos anos” – comenta.
Os profissionais destacam como empecilhos outras exigências necessárias na propriedade para que o melhoramento genético seja feito.
“É necessária e fundamental a presença de uma equipe técnica muito especializada, como geneticistas, por exemplo. Esses profissionais é que vão garantir o sucesso desse processo”.
A forma de criação é diferente da engorda. “A estrutura específica para o manejo dos peixes é totalmente diferente de uma piscicultura de engorda, por exemplo” – esclarece Neukirchner.
Feiden acrescenta que, nas unidades de produção de alevinos, geralmente, se fazem ações de seleção de reprodutores, mas de maneira massal e sem os critérios exigidos em programas de melhoramento genético. Mesmo assim, o pesquisador garante que tem mostrado alguns resultados positivos, principalmente em espécies nativas, mantendo plantéis de reprodutores que produzem alevinos de qualidade.
“Este ainda é um setor em grande expansão e que não consegue produzir o suficiente para atender a toda a demanda regional e nacional” – afirma. Além disso, ainda é necessário que haja o acompanhamento de profissionais da área para que o procedimento tenha os resultados esperados.
“Todo empreendimento comercial de produção de alevinos necessita um responsável técnico, e um programa de melhoramento genético deve ser executado por uma equipe multidisciplinar que envolva todos os segmentos, como geneticistas, estatísticos, zootecnistas e outros profissionais das Ciências Agrárias, além dos piscicultores para fazer a validação dos resultados a campo” – entende.
Como você pôde perceber, para que um programa de melhoramento genético tenha sucesso, é fundamental o planejamento inicial e a condução por um longo período. Dessa forma, é possível que se tenha o maior número de gerações sucessivas, pois em cada dá para ter ganhos superiores a 15% em relação ao ganho de peso, que já foi observado pelo programa de melhoramento da tilápia.
Gostou deste post? Já sabe como funciona o melhoramento genético na piscicultura? Se você quer entender mais sobre o assunto, aproveite para ler o nosso artigo com algumas das melhores práticas para a criação de peixes. Até a próxima!
(Fonte: O Presente Rural)