Com o crescimento exponencial da população, a segurança alimentar se torna uma preocupação ainda mais urgente. Nesse contexto, a alimentação sustentável é uma das questões centrais para a humanidade, principalmente diante das mudanças climáticas e dos desafios da produção agrícola convencional.
Para essa missão, a aquicultura tem se mostrado uma solução promissora para fortalecer a segurança alimentar, tanto no Brasil quanto globalmente. Mas para que isso aconteça, é preciso alinhar essa prática com uma produção de larga escala consciente, especialmente explorando alternativas de dietas sustentáveis no setor.
Quer saber mais sobre esse tema em alta? Convidamos Marcelo Carrão Castagnolli, Gestor Comercial de Aquanegócios da Sansuy, para detalhar conosco quais são os principais parâmetros de sustentabilidade na aquicultura, com 7 opções inteligentes para aplicar na sua produção.
Importância da sustentabilidade na aquicultura
O termo sustentabilidade tem sido amplamente debatido no mundo todo, devido à soma dos impactos ambientais que as atividades humanas causaram no decorrer dos anos. Além desses fatores, também temos o crescimento da população, que demanda uma alimentação sustentável.
Só para ter uma ideia, conforme o levantamento realizado pela FAO (Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura), é projetado que, até 2030, mais de 60% da produção mundial de peixes destinados ao consumo humano virá dos aquicultores.
Nesse cenário, a aquicultura sustentável se torna uma verdadeira aliada na preservação ambiental, pois, além de diversificar os sistemas alimentares para atender à crescente demanda provocada pelo aumento populacional, contribui para ações de mitigação climática, como o sequestro de carbono e apoia indústrias que produzem produtos sustentáveis.
Esse benefício ocorre porque, com o cultivo de espécies marinhas como vegetais aquáticos e mexilhões, é possível capturar e armazenar CO2 da atmosfera. As algas e plantas aquáticas utilizam o dióxido de carbono para a fotossíntese, enquanto os moluscos contribuem para a absorção de carbono por meio do processo de calcificação, vital para a formação de suas conchas.
Além disso, ao empregar métodos que preservem os ecossistemas marinhos e possam ser aplicados em larga escala, como a pesca artesanal de baixo impacto, é possível promover uma exploração mais sustentável dos recursos marinhos, reduzindo a pressão sobre espécies vulneráveis e ajudando a preservar o equilíbrio dos habitats.
Não podemos deixar de mencionar que uma das espécies de destaque como alternativas de alimentação sustentável é a tilápia. Conforme o Anuário da Aquicultura Brasileira, ela representa aproximadamente 65,3% da produção total em cativeiro. Afinal, esse peixe é de fácil manejo e bem aceito pelos consumidores por todo o mundo.
Ainda de acordo com o levantamento, o país ocupa a quarta posição entre os maiores produtores mundiais, atrás apenas de China, Indonésia e Egito.
A produção de camarões marinhos na aquicultura brasileira também é notável, alcançando mais de 120 mil toneladas da espécie Litopenaeus vannamei em 2023. Vale destacar ainda que o nosso país tem uma produção de destaque de ostras e mexilhões, com a região sul como a principal área produtora desses organismos.
Razões para optar por alternativas alimentares sustentáveis
Como sabemos, a produção de alimentos é uma das necessidades que mais impactam o meio ambiente. Segundo a Organização das Nações Unidas (ONU), o setor alimentício é responsável por 30% do consumo de energia no mundo e 22% das emissões de gases de efeito estufa que contribuem para o aquecimento global.
A FAO também estima que, até 2050, a população mundial ultrapassará 9 bilhões de pessoas, exigindo um aumento de 60% na produção de alimentos.
“A adoção de práticas alimentares sustentáveis na aquicultura deve se basear no fornecimento de uma dieta adequada ao manejo alimentar, à espécie e ao estágio de desenvolvimento, com níveis de nutrientes necessários para o bom crescimento dos organismos aquáticos no sistema de produção. Esse aspecto contribui para a manutenção da saúde dos animais e da qualidade da água, além de reduzir o impacto potencial causado pela liberação de efluentes no meio ambiente.” Complementa Marcelo sobre o assunto.
A aquicultura também contribuirá para manter a cadeia de produção de maneira ecológica sem esgotar os recursos naturais.
7 Alternativas alimentares sustentáveis na aquicultura
Para que o seu negócio fique alinhado com as diretrizes de alimentação saudável e sustentável na aquicultura, separamos 7 opções viáveis. Acompanhe abaixo.
1. Rações à base de ingredientes vegetais
As fontes proteicas de origem vegetal surgem como a alternativa mais econômica para promover uma alimentação sustentável na aquicultura.
Um dos que mais se destaca é o farelo de soja, subproduto obtido após a extração do óleo do grão, amplamente pesquisado como fonte de proteína vegetal para peixes. Ainda, de acordo com Marcelo:
“O grão de soja e o farelo de soja são ingredientes de fácil acesso. Os grãos de soja apresentam teor de proteína bruta em torno de 40% e cerca de 18% de gorduras, além de serem ricos em lisina, vitaminas do complexo B e minerais como cálcio e fósforo.”
Ele tem um equilíbrio razoável de aminoácidos essenciais, permitindo substituir até 50% da farinha de peixe em rações para trutas, 94% para espécies onívoras e até 100% nas rações para tilápias, desde que haja suplementação com aminoácidos. Devido à sua abundância, o farelo de soja tem se tornado a principal fonte proteica para espécies tropicais.
Marcelo explica que também temos os grãos de milho, farelo, quirera ou fubá de milho, que são de fácil acesso e podem ser considerados uma fonte de energia e de pró-vitamina A (no caso do milho amarelo). Os grãos de sorgo granífero com baixo teor de taninos possuem basicamente as mesmas propriedades nutricionais do milho, mas não contêm pró-vitamina A.
Já o farelo de girassol, obtido de sementes descorticadas após o processo de extração do óleo, apresenta teor de proteína bruta entre 30% e 40%, com boa qualidade, sem fatores antinutricionais, com boa composição em aminoácidos e alto teor de niacina.
2. Produção de insetos para a alimentação sustentável
Sim, é possível realizar uma substituição gradual da ração convencional de peixes por uma dieta balanceada à base de insetos. Uma pesquisa conjunta, conduzida por cientistas brasileiros e de Camarões, na África Central, confirmou essa viabilidade.
O estudo indicou que insetos como o besouro tenébrio (Tenebrio molitor), o grilo-preto (Gryllus assimilis) e a mosca-soldado-negra (Hermetia illucens) são opções mais ricas em proteínas, especialmente em sistemas de agricultura familiar.
Além disso, a criação de insetos nas propriedades pode ser integrada à produção de fertilizantes, aproveitando a decomposição de matéria orgânica pelas larvas.
3. Cultivo de plantas aquáticas
Algumas espécies de plantas aquáticas são excelentes fontes de alimento para peixes e outros organismos aquáticos. As principais que se destacam são:
- lemna (Lemna minor) — conhecida como lentilha-d’água, essa planta aquática flutuante é rica em proteínas e fibras;
- azolla (Azolla spp.) — espécie de rápido crescimento vegetativo, capaz de fornecer alimento de forma constante. Além disso, pode ser utilizada como fertilizante em cultivos, como o de arroz;
- salvinia (Salvinia spp.) — é uma samambaia-aquática que, além de servir como fonte de alimentação, proporciona abrigo para a desova dos peixes.
4. Algas e microalgas
As macroalgas e microalgas são, por natureza, alimentos ricos em proteínas de fácil digestão e têm alta capacidade de proliferação em ambientes aquáticos.
Quando o assunto é macroalgas, destaca-se a Laminaria spp., também conhecida como alga marrom. Ela é utilizada em rações para peixes e mariscos, sendo rica em minerais como iodo e alginato. Também temos a Ulva spp., popularmente chamada de alface-do-mar, uma importante fonte alimentar para criação de camarões.
Para as microalgas, as mais relevantes são a Chlorella spp., rica em proteínas, vitaminas e ácidos graxos essenciais, bem como a Dunaliella salina, uma espécie rica em beta-caroteno.
5. Cultivo integrado multitrófico
O cultivo multitrófico é uma prática de aquicultura que consiste em integrar diferentes espécies em um único sistema.
Marcelo detalha que, nesse modelo, as espécies são escolhidas de modo que utilizem os recursos disponíveis de forma eficiente, estabelecendo relações sinérgicas em que os resíduos gerados por uma espécie servem como alimento ou nutrientes para outras.
Por exemplo, a criação de peixes em uma fazenda aquícola produz resíduos orgânicos, como fezes e sobras de alimentos. Esses resíduos podem ser aproveitados como fonte de nutrientes para o cultivo de algas, que desempenham o papel de melhorar a qualidade da água ao remover o excesso de nutrientes, reduzindo o risco de eutrofização.
Adicionalmente, as algas podem servir como alimento para moluscos, como os mexilhões, que filtram a água, aprimorando ainda mais sua qualidade e diminuindo a quantidade de dejetos.
6. Fermentação microbiana
A utilização de alimentos fermentados na aquicultura é uma técnica relativamente nova que envolve o emprego de micro-organismos responsáveis por processos físicos, químicos e fermentativos, resultando na produção de substâncias como vitaminas, enzimas e antioxidantes.
Esse ponto aumenta a digestibilidade e o valor nutricional dos alimentos. Além disso, os produtos fermentados geralmente são obtidos a partir da fermentação de materiais vegetais mais acessíveis e econômicos na região.
Entre os ingredientes mais utilizados estão grãos e farelos, como a soja, rica em proteínas, e o farelo de arroz, mais abundante em carboidratos. Outros grãos, farinhas e farelos vegetais, bem como subprodutos de vinícolas e cervejarias, também podem ser aproveitados.
7. Nutrição personalizada
Visa atender às necessidades específicas de diferentes espécies de peixes, levando em consideração fatores como estágio de desenvolvimento, metabolismo e condições ambientais.
Para isso, pode-se reduzir a dependência de ingredientes tradicionais, como farinha e óleo de peixe, com ingredientes locais citados, como plantas aquáticas, microalgas e insetos.
A utilização de subprodutos agrícolas, como cascas e restos de grãos, também pode ser uma excelente estratégia. No entanto, é importante que a nutrição seja ajustada de acordo com as diferentes espécies e fases de crescimento (alevinos, juvenis e adultos) para evitar desperdícios.
Desafios e considerações
Embora seja promissor, não podemos esquecer dos desafios da implementação da alimentação sustentável na aquicultura. A primeira questão é a limitação de disponibilidade. Embora existam várias fontes alternativas de proteínas e nutrientes, elas podem não estar acessíveis em determinadas regiões.
“O principal desafio enfrentado pelos adeptos de alternativas alimentares sustentáveis na produção de organismos aquáticos é encontrar fontes seguras de resíduos industriais, proteínas derivadas de microrganismos (como algas unicelulares, bactérias e leveduras) e subprodutos de origem vegetal e animal de alta qualidade, ou seja, com elevada biodisponibilidade dos nutrientes presentes nesses ingredientes, além de garantir a regularidade de oferta.” Pontua Marcelo.
Além disso, esse aspecto pode gerar outra questão: o desenvolvimento de ingredientes alternativos apresenta um custo elevado, devido à produção em pequena escala, ao processamento especializado e aos custos de transporte. Esses fatores podem encarecer o preço final das rações.
Tendências e perspectivas futuras
Para promover uma alimentação saudável, a tecnologia será uma das maiores parceiras da aquicultura. Uma das soluções empregadas é o uso de alimentadores automáticos instalados em cada tanque.
Com essa tecnologia, o produtor pode programar o sistema para distribuir a ração de forma automática, na quantidade e hora certa, eliminando a necessidade de realizar esse trabalho manualmente.
Uma inovação relevante no setor atualmente é a sonda de oxigênio, responsável por controlar os aeradores. Embora seu funcionamento seja simples, seu impacto é significativo, pois também contribui para a sanidade ao evitar a eutrofização devido o acúmulo de rações nos tanques.
Na prática, essa sonda realiza o monitoramento constante e aciona o aerador apenas quando necessário, seja devido à baixa concentração de oxigênio, por uma programação pré-definida ou em casos de altas temperaturas.
Como vimos, a alimentação sustentável na aquicultura não só é viável, como se destaca por ser uma apoiadora na promoção de maior economia e eficiência no setor, especialmente para atender à crescente demanda populacional de maneira consciente.
Gostou do nosso post? Também saiba como implementar uma aquicultura consciente neste guia que preparamos.